Uma população financeiramente mais saudável é também um mercado consumidor muito mais potente. Trata-se de um pensamento lógico irrefutável e até óbvio, mas que nem sempre é observado nas práticas de negócio. Quando, porém, os sistemas que regem a economia e a sociedade se atêm a esse tipo de giro virtuoso da roda, todos saem ganhando.
Observemos, por exemplo, uma tendência que tem crescido no comércio. Grandes players do varejo têm investido, geralmente em parceria com bancos e fintechs, no desenvolvimento de plataformas tecnológicas com soluções financeiras próprias para a sua base de clientes — e não só.
Em tempos de conquista e valorização de um consumidor cada vez mais exigente e bem-informado, o grande objetivo é cercá-lo de benefícios e comodidades para que se sinta em um ambiente seguro e acolhedor. Assim, além de encontrar os melhores produtos e serviços que deseja adquirir, nada melhor que nesse mesmo local ele possa acessar as condições mais favoráveis de pagamento por essas aquisições.
É aí que entra o cartão de crédito da loja ou do supermercado, com vantagens exclusivas, benefícios de cashbacks ou a facilidade do crediário digital, que permite o parcelamento no site ou no aplicativo. Ao se tornar fornecedor de serviços financeiros, o varejo amplia a própria capacidade de envolvimento com o frequentador de seu ecossistema, aumentando os pontos de contato para conhecer mais a fundo e encantar de modo mais certeiro esse cliente.
Afinal, quanto mais ele circula pelo “quintal de casa”, mais dá à marca condições de decifrar seus hábitos e preferências para, a partir desse conhecimento, fortalecer a relação por meio de ofertas personalizadas. E isso inclusive em termos de serviços financeiros, levando em conta características de seu comportamento na hora de financiar ou quitar um débito.
Bancos, por seu lado, passam a hospedar marketplaces em suas plataformas e aplicativos, provando que as fronteiras entre o universo varejista e o financeiro têm sido cada vez mais difusas.
Visão de longo prazo
Os novos ecossistemas do varejo me lembram outra onda que ganhou corpo alguns anos atrás: a dos condomínios que passaram a agregar serviços para os moradores, caso das academias de ginástica nas áreas comuns. Tornou-se uma maneira de oferecer praticidade à vida dos condôminos, que não precisariam se deslocar pelo trânsito das grandes cidades para fazer o seu exercício físico diário.
O objetivo de uma plataforma de e-commerce ou de um aplicativo bancário não é muito diferente: também envolve comodidade. Se a academia do condomínio está a um elevador ou alguns lances de escada de distância, a oferta ideal de compra pode estar a um clique — e carregar “a tiracolo” um sistema eficiente e vantajoso de pagamento. Ou vice-versa.
Mas, no prédio, não adianta comprar os equipamentos e deixá-los lá sem manutenção ou o acompanhamento de um profissional que dê suporte às atividades dos frequentadores. Sem esse olhar de zelo e acolhimento, o que deveria ser uma mão na roda pode se tornar apenas estorvo — uma inútil ocupação de espaço, ou o risco de contusões devido à falta de orientação na prática dos exercícios.
O mesmo raciocínio vale para a “fintechzação” do varejo. O cliente pode ter tudo no mesmo lugar, mas isso deve ser proporcionado a ele com uma visão estratégica de longo prazo e bem-estar contínuo. Caso contrário, esse consumidor pode representar para o ecossistema da marca uma perda em dose dupla — tanto em termos de consumo de produtos ou serviços de seu “core business” como em relação à contratação dos produtos e serviços financeiros oferecidos.
Por sinal, uma má experiência no braço financeiro da plataforma pode custar a permanência do cliente no ecossistema como um todo. Na comparação com o condomínio, seria o caso do morador que não só busca uma academia fora do prédio como também acaba decidindo ir atrás de outro lugar para morar. O que se pretendia como uma estratégia de aproximação se transformaria, então, no prejuízo de um afastamento.
Carolina Rezemini é Diretora Regional de Vendas para a América Latina da Credolab