“As empresas precisam com urgência melhorar a relação com os clientes para retê-los ou aprimorar a experiência para trazer mais consumidores. É um caminho sem volta”, determina Gisele Paula, eleita pela Bloomberg Línea entre os 100 empreendedores de maior impacto em 2021 na América Latina. Cofundadora do Reclame Aqui, no qual liderou iniciativas pioneiras em prol do cliente, como o Prêmio Reclame Aqui, a executiva também criou o Instituto Cliente Feliz e atua na área de Customer Experience há mais de vinte anos.
Gisele Paula já treinou mais de 30 mil pessoas e 10 mil empresas e ainda assina o movimento “Cliente Feliz dá Lucro”, cujo lema deu origem a um livro lançado em 2021 pela Buzz Editora. Na obra, ela esmiuça técnicas e estratégias não só para atender bem os clientes, mas também para que as empresas entendam como lidar com suas necessidades e, claro, reclamações.
Em entrevista à SuperVarejo, ela compartilha dicas — algumas voltadas para supermercados — e comenta a relevância do atendimento de qualidade e de se investir nas experiências para se destacar em um segmento tão competitivo.
Toda a sua trajetória foi dedicada à atenção ao atendimento ao cliente? Qual momento você aponta como uma espécie de insight que a levou a fazer dessa preocupação uma carreira?
De certa forma, tudo teve início na DPaschoal. Comecei como estagiária, fui contratada e me envolvi com ouvidoria através do canal Fale com o Presidente. Ainda não era o meu foco transformar o atendimento ao cliente em uma carreira, pois minha atuação tinha mais a ver com marketing. Somente ao empreender com o Reclame Aqui percebi o tamanho da oportunidade que existia à frente, pois o mercado era totalmente carente. Nessa época, cheguei a visitar organizações que mantinham o SAC na salinha mais esquecida da empresa, sem a menor infraestrutura e com computadores antigos. Só que ali é a porta de entrada do cliente, né? O atendimento é o cartão de visita da empresa. Como eu tinha trabalhando em uma companhia que se destacava pela qualidade do atendimento, minhas referências eram outras. Então, me toquei que aquilo era minha missão. Aí eu me toquei que podia ajudar a gerar consciência nas empresas e melhorar a relação com o cliente.
O Reclame Aqui é a maior plataforma de soluções de conflitos entre consumidores e empresas da América Latina e existe há mais de duas décadas. Durante todo esse tempo, quais são os tipos de reclamação recorrentes que já deveriam ter sido, no mínimo, minimizados no mercado?
Li milhares de reclamações ao longo desses anos e estudei muito o comportamento do cliente. Assim, posso dizer sem a menor sombra de dúvida que o maior motivo é a falta de informação ou não compreensão, por parte das empresas, do que o cliente realmente deseja. Explico melhor: é lógico que em alguns momentos as empresas falham, mas isso ocorre pouquíssimas vezes. O que mais motiva um cliente a parar de falar com a empresa e acionar o Reclame Aqui é que a empresa não entendeu o que ele quer. Há um problema crônico nos SACs de não compreender o que há por trás da reclamação do consumidor. Vamos supor que alguém liga e diz: “Que absurdo! Fizeram uma cobrança indevida na minha fatura!”. Na verdade, o que ele quer dizer é que não entendeu o que está sendo cobrado a mais. E o que a empresa responde? Que não existe nenhuma cobrança indevida na fatura. O consumidor, então, procura o Reclame Aqui. Por quê? Porque a empresa não se dispôs a explicar ou justificar a cobrança. As organizações estão muito acostumadas a responder conforme o processo delas, por isso não compreendem o que há por trás de uma manifestação. Por isso o Instituto Cliente Feliz criou um curso para ensinar os colaboradores a compreenderem o que o cliente está falando. Outro exemplo de resposta que o cliente odeia receber: “Não, a cobrança está correta e esse é o procedimento da empresa”. Isso não é resposta. O cliente quer ser atendido como único, quer uma solução específica para o problema dele.
Recentemente, a pauta do varejo, em especial a dos supermercados, tem colocado o cliente no centro das discussões e das decisões. Na sua opinião, o que vem motivando essa maior atenção?
Por muitos anos o varejo, de modo geral, atuou com foco na venda. Desde a forma de organizar os corredores até a ciência das gôndolas, toda a estrutura era planejada de modo a vender melhor para o consumidor. A experiência do cliente em relação ao processo de compra e pós-compra era relegada a segundo plano. Só que a pandemia mudou o jeito de as pessoas comprarem. Eu, por exemplo, não vou mais ao supermercado, resolvo tudo no aplicativo. Então, o cliente que vai à loja física quer uma experiência melhor. Tenho assessorado algumas empresas de varejo e, ao analisar os números, noto que o cliente vem deixando de comprar fisicamente se não tiver uma boa experiência no PDV. O consumidor passou a ser mais digital e quer mais comodidade e menos trabalho e esforço. O grau de exigência foi mudando ao longo do tempo. Hoje, por exemplo, ao pensar na experiência do cliente em uma loja é preciso olhar a questão da diversidade e inclusão. Num passado próximo, não se falava disso. Há uma série de perguntas que os supermercadistas precisam refletir com cuidado. Por exemplo: como eu recebo um cadeirante? Como eu atendo um deficiente visual? A loja está preparada para isso? Ao olhar para o segmento de supermercados, são poucos os que estão preparados para esses contextos.
Muito vem se falando sobre a infidelidade dos novos consumidores. Ainda é possível fidelizar um cliente no varejo?
Existe uma diferença entre o cliente satisfeito e o cliente leal. O cliente leal é aquele que ama tanto a sua marca que se esforça para continuar comprando dela apesar de falhas pontuais. Para uma marca chegar nesse ponto, há toda uma construção que passa por um atendimento eficiente e bem-feito até a experiência de qualidade de ponta a ponta. No caso dos supermercados, por exemplo, até o carrinho de compras e o estacionamento entram nessa conta. Toda a jornada desse cliente é avaliada na hora de refletir se vale a pena continuar com esse supermercado ou não. Eu, particularmente, não gosto muito do termo infiel — prefiro falar de clientes que analisam os atributos de valor que são considerados importantes para ele. Se o meu valor é praticidade, não vou querer me deparar com filas gigantes no caixa. Se o meu valor é preço baixo, então provavelmente não vou me incomodar com a fila. Nenhuma rede consegue agradar todo mundo, mas é possível focar em entregar aquilo que é o principal atributo de valor à maioria dos clientes.
A máxima “o cliente tem sempre razão” ainda vale? Por quê?
Essa questão é sempre polêmica. Na minha visão, conforme a minha experiência, o cliente tem razões. Algo motivou o consumidor a entrar em contato e a fazer uma reclamação. Mesmo se o consumidor sai um pouco do tom e passa dos limites, é preciso buscar entender o que há por trás disso. O casal que em novembro de 2021 provocou um quebra-quebra no guichê da Gol, no Aeroporto Internacional de São Paulo/Guarulhos, é um exemplo que merece ser observado com atenção. No livro Cliente Feliz dá Lucro eu explico que ninguém “enlouquece” e parte para a violência do nada. O problema começou muito antes com alguma frustração, um incômodo, uma resposta torta por parte da empresa. Até que, em um momento, a raiva vira ira e o cliente explode. Para evitar isso, é preciso tentar resolver a questão enquanto ela ainda é uma frustração e ouvir o consumidor.
Após dois anos de pandemia e perdas pessoais e econômicas, temos um ano desafiador pela frente. Como melhorar a experiência de compra e a satisfação de pessoas que estão exaustas e tensas em diversos sentidos
Olhando primeiro para o colaborador com atenção. Se o colaborador não estiver bem, não vai ter condições de atender bem o cliente. Ninguém é perfeito. São pessoas lidando com pessoas. Quem ocupa a liderança precisa ter um termômetro para saber que, se um colaborador não está bem para atender, o melhor a fazer é remanejar essa pessoa naquele dia para um trabalho administrativo. Porque, se for atender alguém, vai ser um caos. Outro ponto é investir no bem-estar do colaborador, analisando fatores como lugar onde senta, mesa que ocupa, pausa de descanso, horário digno para um repouso saudável, entre outros. Em alguns call centers a custo zero o atendente precisa se desdobrar para realizar a atividade em condições precárias e ainda ter motivação. Quando se cuida bem do colaborador, ele vai cuidar bem do cliente. Já para evitar situações tensas com o cliente é possível investir em uma série de parametrizações a partir do CRM, que não só indicam quando há um incômodo do cliente como sinalizam se isso tende a virar um incômodo grande. Se o consumidor entrou em contato com o SAC, mandou e-mail e decidiu declarar sua insatisfação nas redes sociais, há um grande esforço. Se escreveu “vou procurar os meus direitos, Reclame Aqui ou Procon”, já dá para parametrizar. A empresa precisa buscar um acordo nesse momento, porque existe o risco de o problema explodir. Agir dessa forma evita crises mais graves.
O que você acha da conduta de marcas que apagam posts de reclamações nas redes sociais?
É uma atitude do século passado, né? Porque hoje as pessoas printam tudo. Além de não adiantar de nada excluir os posts, vale a pena lembrar que o cliente cada vez mais quer marcas transparentes. Estão falando mal da sua marca? Responda. A solução não é apagar, porque nesse caso você não está sendo transparente com o seu público. Somente marcas autênticas vão sobreviver no futuro. Quem deseja viver de aparência deve saber que uma hora isso vai cair. E pensar que uma marca hoje tem controle do que falam dela é uma ilusão. Meus conselhos são: seja transparente, agradeça sempre e trabalhe para que o motivo da reclamação não aconteça novamente.
É possível recuperar um cliente perdido?
Sim, porém existe um dever de casa para fazer antes: entender qual é a causa da perda. O que fez com que o consumidor deixasse de comprar em seu supermercado? É preciso entrar em contato com o cliente e fazer uma pesquisa de satisfação. Com base nisso, é possível ter insumos para melhorar a falha e, assim, criar um plano de ação e só então convidar o cliente para retornar à loja. Se o supermercado convida o consumidor para voltar à loja e ele se depara com os mesmos problemas da última vez que visitou o PDV, ele não vai voltar mais.
A experiência do cliente sempre passa pela emoção? O que conecta emocionalmente um cliente a uma marca?
A definição da experiência do cliente tem a ver sempre com o que a marca o fez sentir. Então, por si só, a experiência já é emocional. O que eu sinto quando recebo a minha encomenda com um recadinho escrito à mão? É como o cliente se sente e não o fato em si. Se a marca não cria pontos de emoção com o cliente, não tem como estabelecer uma conexão. Os supermercados, em geral, são semelhantes. Então, o que fazer para se tornar diferente aos olhos do cliente? Pode ser desde um gesto de gentileza do operador de caixa até o fato de o embalador chamar o consumidor pelo nome. É preciso observar as tendências para criar essas oportunidades. Por exemplo, o volume de pessoas que moram sozinhas vem aumentando e muitos desses consumidores têm dúvidas sobre a compra de frutas e legumes. Por que não colocar um concierge na área de FLV para ajudar a identificar se a banana ou a manga está verde ou madura? É o custo de um único colaborador. Criar serviços específicos para idosos e deficientes também pode fazer a diferença. Pesquisas indicam que as pessoas aceitam pagar por um serviço que gera valor para elas. É preciso lembrar que hoje, no segmento de supermercados, é muito difícil concorrer apenas pelo preço. A margem é muito baixa. Por isso, é fundamental investir na experiência para o cliente falar: “Esse é do jeito que eu gosto”.
Como consumidora, você costuma fazer reclamações e elogios formais?
Sim. E o mal de quem trabalha nessa área é ser muito crítico. A gente analisa o atendimento de ponta a ponta. Eu tenho o hábito de falar nos canais sobre os pontos que identifiquei que considero que podem ser melhorados. O que mais gosto e valorizo é a atenção que a empresa me concede. Todo cliente valoriza isso. Pode ser que a empresa não aplique tudo o que consumidor sugere, mas ouvi-lo e entender a percepção dele já é muito. A pessoa se sente acolhida. Eu reparo na humanização, na empatia, no jeito de atender, no modo de falar. Como todo mundo, já deixei de comprar em muito lugar pelo jeito com que a pessoa me tratou.
E qual é a melhor forma para inspirar os colaboradores do varejo a atender bem o cliente e encantá-lo?
Em geral, o caminho mais curto é treinar a equipe. Sim, quem está na ponta precisa de treinamento constante mesmo sobre como falar, qual a postura certa, de que modo atender. Mas só isso não é o suficiente, é necessário ter uma cultura de atendimento. Por que na Disney todo mundo é muito bem atendido? A espinha dorsal foi muito bem amarrada para colocar o cliente no centro do negócio. A chave de ouro é o código de conduta do que se pode ou não fazer, pois ele fornece parâmetros. O código de conduta avisa de que ponto o colaborador pode partir e até onde pode chegar. Vai muito além do treinamento.
Quais as melhores ferramentas e estratégias para os supermercados medirem a satisfação de seus clientes?
Gosto de três metodologias. A primeira é a NPS (Net Promoter Score), que permite medir o quão leal o cliente está com a marca após findar uma experiência. Vamos supor que eu fiz uma jornada de compra e duas ou três horas depois de chegar na minha casa recebo um pedido de avaliação sobre como foi a experiência na loja. O segundo é o método CSAT (Customer Satisfaction Score) que avalia o último atendimento do cliente. Dá para medir por setor no supermercado, com notas que vão de 0 a 10. E a terceira metodologia envolve perceber o índice de esforço do cliente ao falar com a marca ou fazer uma reclamação. Quanto maior o esforço, menor é a chance de ele voltar a comprar da minha marca. Ao aplicar esses três indicadores e analisá-los de maneira consistente, dá para descobrir, por exemplo, que o texto do cartaz do anúncio de promoção tem informações confusas ou que o piso da área de frios está escorregadio. Ou seja, isso possibilita agir rápido na correção de falhas.
Quais são os seus projetos para 2022?
O objetivo é tornar o Instituto Cliente Feliz a maior referência na área de experiência do cliente no Brasil. Já há um trabalho eficaz com grandes organizações, mas a ideia é ajudar mais empresas. O livro Cliente Feliz dá Lucro tem o propósito muito claro de levar a cultura do atendimento ao cliente para os pequenos negócios. Tenho recebido feedback de gente que já começou a implantar as dicas e viu resultado, por isso pretendo promover um relançamento em algumas capitais do Brasil. No segundo semestre, o Instituto deve colocar no ar uma plataforma EAD de educação corporativa com certificação. A ideia é propor um checklist com tudo aquilo que a empresa deve implementar para boas práticas na relação com os clientes. Vamos fazer uma auditoria e as empresas que atingirem os itens do checklist serão certificadas pelo Instituto Cliente Feliz. É uma forma de melhorar os alicerces internos e complementar os serviços prestados pelo Reclame Aqui. Além disso, o processo de expansão do Instituto deve atingir Portugal, país que, em comparação com o Brasil, ainda demonstra atrasos no atendimento ao cliente. Vamos começar por um processo de conscientização e, nos próximos anos, evoluir para outros projetos.
Gisele Paula resume muito bem o que fazer e como tratar o consumidor que entra em contato com a empresa, seguir estas sugestões simples e diretas é a forma de melhor atender ao consumidor e fideliza-lo, torna-lo um fã.